sábado, 8 de julho de 2017

Liberdade Religiosa: crenças não podem ser impostas

Último da Série sobre Direitos Humanos.

Na cidade de Caxias, no Maranhão, um grupo de evangélicos se reuniu para protestar contra a construção de uma igreja católica no local. O protesto até poderia ser considerado pertinente, uma vez que o templo deverá ser construído em uma área tombada. Mas o problema é que o líder do protesto, o pastor Paulo Jorge, da Igreja Batista da Paz (irônico ter "Paz" no nome, não acham?), em momento algum afirma ser esta a motivação do protesto. O protesto, segundo ele, é contra a "idolatria". (Veja o vídeo.)


Este não é um exemplo de simples manifestação de crença. É um caso de intolerância. E é grave. Analisemos a situação.

Comecemos com um exercício simples de reflexão. Em que você acredita? Em que você não acredita? Muito bem. Agora responda: Por que você acredita no que acredita? E por que você não acredita em outras coisas? Você acredita porque quer acreditar ou porque, de alguma forma, para você, faz sentido crer?

Não escolhemos nossas crenças. Acreditamos em algo porque encontramos nisso algum sentido, ao menos se somos sinceros em nossas crenças. Sendo assim, não faz nenhum sentido impor a alguém uma crença. Não podemos obrigar outras pessoas a crer no que nós cremos. A crença precisa ser espontânea. O máximo que podemos fazer é argumentar, mostrar por que nossas crenças fazem sentido e esperar que o outro compreenda da mesma forma que nós, mas tendo a consciência de que a pessoa pode simplesmente não ser capaz de acreditar. E temos que estar dispostos a aceitar e respeitar, não por sermos pessoas boas e tolerantes, mas porque é a coisa mais inteligente a se fazer.

Quando eu tinha os meus treze para quatorze anos, eu não conseguia entender por que o protestantismo e o catolicismo eram considerados religiões diferentes, se ambos eram formas de cristianismo. Nas minhas aulas de história e geografia eu estudei sobre as religiões do mundo, e eu entendia que cristianismo, budismo, taoismo e islamismo eram obviamente religiões diferentes, porque adoravam seres diferentes, tinham práticas diferentes, preceitos e princípios diferentes, seguiam livros diferentes. Mas o catolicismo e as igrejas protestantes acreditam no mesmo Deus, no mesmo Jesus Cristo, na mesma Bíblia (ainda que as traduções e versões sejam diferentes, a base do texto é a mesma).

Para dizer a verdade, ainda hoje isto me soa estranho. Para mim, o cristianismo e o islamismo são apenas ramificações da mesma religião que deu origem ao que hoje chamamos de judaísmo. Os deuses do cristianismo e do islamismo são na verdade o mesmo Deus. Se alguém me disser que o deus do islamismo não é o mesmo do cristianismo somente porque se chama Alá, eu digo que, sendo assim, forçosamente o Deus dos norte-americanos não é o mesmo que o dos brasileiros, porque nós adoramos Deus, e eles, God.

E para mim, cristianismo é uma coisa só. Todos os que afirmam acreditar no Jesus Cristo da Bíblia são cristãos. No entanto, as pessoas enxergam o mundo e as coisas de maneiras diferentes. Diferentes grupos de pessoas pensam de maneiras diferentes, entendem as coisas de maneiras diferentes, acreditam de maneiras diferentes. Os chamados "evangélicos" são talvez o grupo de religiosos mais heterogêneo que existe no mundo. Não é possível catalogar com exatidão o número de igrejas evangélicas que existem no mundo, uma vez que qualquer pessoa pode decidir fundar uma igreja e reunir fieis. Há igrejas de todos os tipos e com os mais diferentes nomes. Há igrejas para todos os gostos. Mas talvez a atividade mais estéril em que os religiosos costumam se empregar é em tentar convencer uns aos outros de que sua religião é a correta.

Uma crença não é um fato, não é uma verdade incontestável. Crença é algo que se toma por verdade, mesmo sem se ter certeza plena. Se você tem plena certeza de algo, você não crê, você sabe. Uma crença não é algo cientificamente comprovável. Não se pode provar a existência de Deus, ainda que durante séculos muitos tenham-no tentado exaustivamente. (E eu, enquanto cristão, acredito que é assim que deve ser. Deus espera que acreditemos Nele sem ter evidências concretas, sem ter comprovação científica.) Sendo assim, nenhuma religião pode provar que está certa e que as outras estão erradas. Cada crença cristã se baseia em uma interpretação diferente dos textos religiosos, e as pessoas têm o direito à liberdade de crer segundo os ditames de sua consciência. Sendo assim, mais uma vez, é absurdo tentar impor uma crença religiosa.

Nem mesmo os pais devem impor sua crença aos seus filhos. Os pais podem ensinar sua religião aos seus filhos. Podem levá-los às suas reuniões. Mas se eles chegam a uma idade em que começam a contestar essa crença, é um direito deles escolher se seguem ou não a religião dos pais, ainda que acreditemos que eles sejam jovens demais para formar uma opinião sobre o assunto. Cada um deve ter a liberdade de crer ou não crer espontaneamente, de buscar aquilo que lhe parece verdadeiro, de ter a sua própria visão acerca da vida e das coisas. Uma crença não pode jamais ser imposta, seja qual for a circunstância.

O grupo de religiosos mencionado no início deste artigo foi à rua com cartazes trazendo mensagens que criticavam o suposto "culto a Maria" (o que alguns teólogos protestantes chamam de "mariolatria", um termo que eu acho horroroso e carregado de preconceito e intolerância). O líder da manifestação afirmou que eles estavam "fazendo o [seu] papel profético". Na verdade, o que eles estavam dizendo é que eles estavam certos e os católicos estavam errados. Então vamos refletir: será que eles realmente acreditam que os católicos vão ver essa manifestação e dizer: "Eles têm razão. Estamos adorando da forma errada..."? É óbvio que isto não vai acontecer! Cada pessoa crê no que crê porque tem suas razões para crer.

Nenhum católico que eu já conheci afirma que adora Maria ou algum santo como sendo o seu Deus. Um senhor católico que eu conheci em São Paulo há mais de dez anos me disse: "Nós não adoramos Nossa Senhora. Nós a veneramos. É diferente." É preciso entender que os católicos praticam a fé de uma maneira diferente de como os evangélicos o fazem. Há inclusive um grande número de católicos hoje em dia (especialmente o movimento de renovação carismática) que nem mesmo oferece orações a Maria, mas a consideram uma mulher especial, a escolhida por Deus para ser a mãe de Seu Filho. É difícil para certos evangélicos entenderem isso, já que seu fanatismo os leva a crer que para enaltecer Jesus eles têm que menosprezar e desmerecer outros personagens. Eles acreditam que demonstrar qualquer forma de respeito a outras personalidades é uma forma de desrespeito a Jesus. Mas os primeiros cristãos sempre demonstraram respeito a Moisés, a Abraão, Isaque e Jacó, a Elias e vários outros profetas. E Pedro e os apóstolos eram também grandemente respeitados nos tempos da igreja primitiva. Isto definitivamente não desmerece o Cristo. É impressionante como há inclusive fanáticos que proferem ofensas e insultos à figura de Maria. Não consigo entender como o ódio pode ser uma demonstração de devoção religiosa.

Há certamente católicos que proferem orações e pedem graças a santos, uma prática que de alguma se assemelha a uma espécie de politeísmo. Como eu disse antes, temos que entender que esses católicos entendem a fé de uma forma diferente. E nós temos que respeitá-los. Não podemos negar que existe muita beleza na fé, na sinceridade e na devoção que essas pessoas demonstram. Eu já vi pessoas fazerem grandes sacrifícios, andarem muitos quilômetros, apenas para demonstrar sua devoção. (E muitos dos evangélicos que os criticam se dão por satisfeitos por irem à igreja uma ou duas vezes por semana com sua Bíblia embaixo do braço...) Ainda que não concordemos com as crenças ou com a forma de adorar dessas pessoas, temos a obrigação de respeitar.

Nossa crença é algo muito pessoal. Enquanto as pessoas gastam tempo criticando as crenças alheias e tentando impor sua religião, deixam de se aperfeiçoar em sua própria fé e no conhecimento de sua própria religião. Se duas ou mais pessoas de religiões diferentes se reúnem para discutir religião de forma respeitosa e honesta, isto pode ser algo muito proveitoso. Mas a tentativa de se impor uma crença demonstra arrogância e intolerância, e na maioria das vezes não dá resultado nenhum além de discórdia, contenda e ódio.


Por Bruno Fernandes de Lima.

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