segunda-feira, 10 de abril de 2017

Literatura: Um Direito de Todas e Todos


Quando pensamos nos direitos fundamentais de todo ser humano, pensamos sempre em alimentação, saúde, moradia, educação, segurança etc. Nenhum indivíduo pode viver sem essas coisas. Mas há outros direitos que podem ser considerados tão importantes quanto esses. O lazer, por exemplo, é um direito de todo ser humano. Todos, independente de classe social, etnia, cor, gênero ou idade, precisamos nos divertir, precisamos relaxar, precisamos nos alegrar. O lazer e o entretenimento não são um luxo nem um privilégio, mas um direito, uma necessidade.


Outra necessidade básica de todo ser humano é a necessidade de fruição de arte. Antonio Candido, grande intelectual e crítico literário brasileiro, disse o seguinte:
(...) A literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contacto com alguma espécie de fabulação. Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. O sonho assegura durante o sono a presença indispensável deste universo, independentemente da nossa vontade. E durante a vigília a criação ficcional ou poética, que é a mola da literatura em todos os seus níveis e modalidades, está presente em cada um de nós, analfabeto ou erudito, como anedota, causo, história em quadrinhos, noticiário policial, canção popular, moda de viola, samba carnavalesco. Ela se manifesta desde o devaneio amoroso ou econômico no ônibus até a atenção fixada na novela de televisão ou na leitura seguida de um romance.
Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo a que me referi parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito.¹
Antonio Candido nos mostra então que o direito à literatura e à arte é fundamental, essencial para todo ser humano. Todos precisamos contar e ouvir histórias, ouvir e cantar músicas, ler poemas, contos, romances. Mas que tipo de literatura precisamos consumir?

Antonio Candido, intelectual, professor universitário, escritor e crítico literário brasileiro.

O que é a boa arte e a boa literatura?

Toda expressão artística humana é legítima, seja ela considerada popular, erudita, ou ainda aquelas que são estigmatizadas na sociedade. Toda forma de arte é a expressão dos mais profundos sentimentos da alma humana e servem como importante registro histórico da manifestação cultural dos povos. Seja o funk carioca ou os clássicos da literatura universal, toda forma de arte agrada a um determinado público, tem sua beleza e sua importância, Não existe arte boa ou ruim nesse sentido.

Sendo assim, é um grande erro limitar a experiência artística das pessoas dando a elas apenas o que acreditamos ser o que satisfaz o seu gosto. Todo indivíduo é capaz de gostar de boa arte e boa literatura. Falando especificamente da população humilde das periferias, é um grande erro e até uma violência cultural limitar essas pessoas a consumirem apenas a chamada cultura popular. Esta é certamente muito importante e não deve ser tirada do povo. O funk, o samba, o hip hop, o brega, o forró, o axé, são legítimas manifestações culturais que constituem a identidade de nosso povo. Mas é um erro achar que o povo só é capaz de gostar desse tipo de arte.

Todo indivíduo pode ser educado de modo a aprender a apreciar os clássicos da música, da pintura e da literatura. Obviamente, é preciso que as pessoas sejam ensinadas a entender esse tipo de arte. Candido nos mostra um exemplo interessante disto:
Maria Vitória Benevides narra a este respeito um caso exemplar. Tempos atrás foi aprovada em Milão uma lei que assegura aos operários certo número de horas destinadas a aperfeiçoamento cultural em matérias escolhidas por eles próprios. A expectativa era que aproveitariam a oportunidade para melhorar o seu nível profissional por meio de novos conhecimentos técnicos ligados à atividade de cada um. Mas para surpresa geral, o que quiseram na grande maioria foi aprender bem a sua língua (muitos estavam ainda ligados aos dialetos regionais) e conhecer a literatura italiana. Em segundo lugar, queriam aprender violino.
(...) Para ficar na Itália, é o caso assombroso da Divina Comédia, conhecida em todos os níveis sociais e por todos eles consumida como alimento humanizador. Mais ainda: dezenas de milhares de pessoas sabem de cor os trinta e quatro cantos do INFERNO; um número menor sabe de cor não apenas o INFERNO, mas também o PURGATÓRIO; e muitos mil sabem além deles o PARAÍSO, num total de mais de cem cantos e mais de treze mil versos...Lembro de ter conhecido na minha infância, em Poços de Caldas, o velho sapateiro italiano Crispino Carboni que sabia o INFERNO completo e recitava qualquer canto que se pedisse, sem parar de bater as suas solas.
Qualquer um de nós tem o direito de ter acesso a diferentes variedades de expressão artísticas. A arte e a literatura humanizam, reorientam os pensamentos e ampliam nossa visão do mundo. O texto O Direito à Literatura, de Antonio Candido, que citei neste artigo, trata de modo mais completo desse tema. Recomento a leitura integral do texto.

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1. CANDIDO, Antonio. O Direito à Literatura. Em: Vários Escritos. Rio de Janeiro, Ouro sobre Azul, 5ª Edição, 2011.

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